Existe relação entre a alimentação infantil e o câncer?

Conversamos com o médico oncologista Dr Felipe Ades para entender sobre a relação entre a alimentação infantil e o câncer. Confira!

A relação entre câncer e a alimentação infantil

O Gourmet Jr. quis entender: até que ponto a alimentação das crianças pode influenciar em um maior risco de desenvolver a doença no futuro? Para essa importante dúvida, conversamos com o médico oncologista do Hospital Albert Einstein, Dr. Felipe Ades.

Existe mesmo relação entre alimentação e o risco de se desenvolver o câncer?

Dr. Felipe Ades: Essa é uma pergunta que a maioria das pessoas faz. É importante saber que dieta e exercício físico são os principais fatores que influenciam o câncer, para pessoas que não fumam (nesse caso, o cigarro é o maior fator).

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que é possível reduzir o risco de câncer em até 30% em pessoas que têm bons hábitos alimentares e se exercitam regularmente.

Quais seriam os alimentos mais cancerígenos? Existem alguns que se destacam?

Dr. Felipe: Na realidade não existem um vilão e um mocinho específicos. Para essa questão, é o hábito alimentar que faz a diferença. O único grupo de alimentos que a gente sabe que realmente faz mal, segundo a OMS, são os alimentos defumados e as carnes processadas. Entram nesse grupo a salsicha, o bacon, o salmão defumado ou o peito de peru defumado, por exemplo. E o fator mais relacionado a esse risco, pode não ser a comida em si, mas sim o processo de defumação e processamento dos alimentos. Existe, por exemplo, uma dúvida se a carne vermelha, sem ser defumada, causa problema. Essa é uma questão em aberto, em que não se chegou a nenhum resultado, mas a certeza é que os defumados e processados causam, sim, riscos.

Esses alimentos descritos como cancerígenos oferecem riscos só quando consumidos em grandes proporções?

Dr. Felipe: Quando falamos que algo é cancerígeno, parece estar no mesmo patamar de cigarro, mas não é assim. O cigarro é disparadamente o maior fator que causa o câncer: uma morte em cada cinco da doença no mundo é causada pelo cigarro. Há recomendações diversas nesse quesito. Eu costumo ser bastante aberto, não acho que um cachorro quente uma vez por mês, ou um bacon em uma ocasião especial possa fazer mal. O alerta é basicamente para quem é um comedor compulsivo desses alimentos e tem no cardápio sempre o bacon, a salsicha e os defumados. Agora, se há uma dieta balanceada não vai ser isso que irá fazer diferença. Mas isso é uma recomendação pessoal minha, não há nada cientificamente comprovado.

Esses alimentos podem causar um tipo específico de câncer?

Dr. Felipe: A OMS não diz exatamente quais são os tipos de câncer que esses alimentos podem produzir. A gente sabe que dieta e exercício físico têm impacto em quase tudo, mas especificamente em câncer de mama, em mulher na pós-menopausa, e em câncer de intestino.

Essas recomendações também valem para as crianças?

Dr. Felipe:Sim! Isso funciona para todos. E quando falamos em crianças essas recomendações são ainda mais importantes, porque é na infância que se desenvolve o hábito alimentar.

“Ter o costume de comer de forma mais saudável desde pequeno é fundamental e pode ajudar nessa prevenção.”

Por outro lado, há evidências de alimentos que podem ajudar na prevenção do câncer, se consumidos desde a infância?

Dr. Felipe: Um dos hábitos alimentares principais que mostram benefícios quando o assunto é prevenir câncer é a dieta do mediterrâneo. Ela é baseada no consumo de grãos integrais, frutas, legumes, proteína de peixe, pouca gordura, óleo de oliva, frutas, legumes… Quando essa dieta é comparada à dieta do inglês americano com carboidratos de alta absorção, carne defumada e gordura, a alimentação mediterrânea se torna muito melhor. Curiosamente quem segue essa dieta tem a redução em quase todos os tipos de câncer, mas em particular no câncer relacionado ao cigarro. O tomate também tem uma substância chamada licopeno, que comprovadamente pode prevenir o câncer de próstata no futuro, mas claro que esse consumo deve estar associado aos bons hábitos alimentares. Vale lembrar que o glúten e a lactose não fazem mal nenhum em relação ao câncer. O glúten aliás está na dieta do mediterrâneo e a lactose é o açúcar do leite e não causa nenhum problema para saúde dos não alérgicos.

A obesidade infantil pode ser um fator de risco para o desenvolvimento do câncer?

Dr. Felipe: Antigamente tínhamos dúvidas se esse poderia ser um fator de risco, mas hoje temos certeza de que a obesidade pode, sim, influenciar no câncer. Isso não acontece porque essa condição favorece mudanças genéticas ou algo do tipo mas, sim, porque a pessoa obesa tem um estado pré-inflamatório e de aumento de hormônios. E essa condição, provavelmente estimula alguma célula que, por algum outro motivo já está doente, a crescer. Em particular o desenvolvimento de câncer de mama e de cólon (que acontece na maioria das vezes a partir de um pólipo – verruga no intestino). E quando falamos de uma criança obesa, a chance de virar um adulto obeso é muito maior e, consequentemente, o desenvolvimento do câncer também.

A amamentação pode prevenir também o aparecimento de algum tipo de câncer na infância?

Dr. Felipe: Há dados controversos para o leite materno e as doenças de longo prazo. O que sabemos em relação a amamentação é que ela previne doenças de curto prazo, em especial infecções, já que ele passa anticorpos. Complicações como diarreia, sinusite, rinite e doenças pulmonares, por exemplo, diminuem em crianças que são amamentadas, quando comparamos com as que não foram. Existem alguns estudos na Inglaterra que tentam avaliar a relação do desenvolvimento de câncer na infância e amamentação, mas eles não são conclusivos e apenas sugerem, que talvez, essa seja uma afirmação verdadeira. É uma questão ainda em aberto.

E quanto a mãe que amamenta, ela pode ter um menor risco de câncer de mama?

Dr. Felipe: Estatisticamente quem amamenta tem menos câncer do que quem nunca amamentou. Não é uma redução de risco muito importante, mas ela existe. Vale ressaltar, porém, que a amamentação não blinda contra o câncer, mas as mulheres que dão de mamar podem ter menos chances de desenvolver a doença.

Crianças que já estão em tratamento oncológico devem ter um tipo específico de alimentação?

Dr. Felipe: Esse é o tipo de cuidado que qualquer pessoa em tratamento contra o câncer deve tomar. O que nos preocupa durante o período de tratamento é o risco de infecção através da comida. Há medicamentos indicados durante a quimioterapia, principalmente no tratamento das crianças, que abaixam baixam a imunidade, então quem está nesse tipo de tratamento deve ter mais cuidado em relação à infecção. Há recomendações de não comer nada cru e higienizar bem os alimentos, ou mesmo optar pelos assados. No caso de outras doenças como a leucemia, por exemplo, a imunidade pode ficar zerada e nesses casos a alimentação deve ser cuidada pelos médicos do hospital.


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